terça-feira, 25 de agosto de 2009
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
AS MINHAS HISTÓRIAS (Vl )
FIGURAS POPULARES DAS RUAS
Toda a gente conhece a figura engraçadíssima de Evaristo,proprietário de uma drogaria,na capital,que no filme " O Pátio das Cantigas " é desempenhada por António Silva e frequentemente desafiada por Narciso, figura desempenhada por Vasco Santana,que o irrita sobremaneira com a popularizada frase " Ó Evaristo, tens cá disto '".
Ao ouvir tal frase Evaristo perdia as estribeiras e lançava sobre Narciso toda a espécie de objectos que tinha à mão,vendo-se este forçado a fugir.
Uma das características pitorescas da vida em Lisboa de há muitas dezenas de anos foi a dos tipos populares, espécie de " raridades " humanas que provocavam o gáudio,sobretudo dos habitantes mais jovens dos bairros onde viviam, pelas suas manias e taras.
Muitos, de génio irascível corriam atrás da rapaziada lançando-lhes pedras e paus quando eram chamados pelas suas alcunhas. Num livro * publicado em Lisboa,em l943, de entre muitas figuras típicas refere-se o " Cai pela pia abaixo ", alcunha pela qual era conhecido o dono de um pequeno estabelecimento situado na Rua da Palma ; o " Entala o bicho " alcunha de um proprietário de uma capelista no Largo na Graça, todos eles de irritabilidade fácil quando invectivados por outros.
Possivelmente a figura de Evaristo foi inspirada pelo conhecimento da existência e comportamento de certas figuras populares, em anos passados. Com o desenvolvimento das cidades, com o avanço do betão que vai cilindrando becos e ruelas, muita da tipicidade dos bairros vai desaparecendo, incluindo as suas figuras populares.
Há cinquenta anos, no bairro onde vivi cerca de trinta, lembro-me perfeitamente de certas figuras populares, que sem terem atingido, de forma alguma, a evidência das supracitadas marcaram bem o meu bairro, assim como a minha infância.
De entre várias recordo o " Mancão " ( Jaime de seu nome), pobre engraxador que para além desta actividade, exercida em tabernas e nas ruas, fazia uns biscates para ir subsistindo. Um deles, exercido com alguma discrição, era o de matar gatos recém-nascidos, deslocando-se para o efeito a casa de pessoas que se queriam ver livres de mais felinos e não sabiam como fazê-lo. " Mancão" colocava-os então num balde cheio de água.... Calmo e boa pessoa irritava-se contudo quando alguém em voz alta, o provocava gritando "miau !", imitando o soltar de voz dos gatos.
Outra figura típica era o " Sete Ceroulas" , trapeiro que dormia quer nas ruas quer dentro das escadas dos prédios, assustando as pessoas que regressavam a casa tarde ao tropeçarem nele.
Mas a figura mais típica que recordo é a de "Maria Charuta", mendiga que morava numa barraca e vivia de pequenos recados que fazia e de alguma comida que lhe davam. Um dia surgiu uma pequena epidemia que dizimou largas dezenas de galináceos nos quintais da zona. Foi a felicidade para " Maria Charuta "; todos os dias apanhava galinhas mortas nos caixotes do lixo da vizinhança, cozia-as a lenha numa lata grande colocada sobre tijolos e acompanhava as lautas refeições com excesso de vinho.
Ainda hoje a " vejo ",passeando feliz pelas ruas, dizendo a toda a gente : " Nunca comi tão bem na vida ! "
* "Evocações do Passado" de J.P.Carmo.
Publicado no jornal " Notícias da Amadora" nº l5O2 de l2 de Setembro de 2OO2.
Toda a gente conhece a figura engraçadíssima de Evaristo,proprietário de uma drogaria,na capital,que no filme " O Pátio das Cantigas " é desempenhada por António Silva e frequentemente desafiada por Narciso, figura desempenhada por Vasco Santana,que o irrita sobremaneira com a popularizada frase " Ó Evaristo, tens cá disto '".
Ao ouvir tal frase Evaristo perdia as estribeiras e lançava sobre Narciso toda a espécie de objectos que tinha à mão,vendo-se este forçado a fugir.
Uma das características pitorescas da vida em Lisboa de há muitas dezenas de anos foi a dos tipos populares, espécie de " raridades " humanas que provocavam o gáudio,sobretudo dos habitantes mais jovens dos bairros onde viviam, pelas suas manias e taras.
Muitos, de génio irascível corriam atrás da rapaziada lançando-lhes pedras e paus quando eram chamados pelas suas alcunhas. Num livro * publicado em Lisboa,em l943, de entre muitas figuras típicas refere-se o " Cai pela pia abaixo ", alcunha pela qual era conhecido o dono de um pequeno estabelecimento situado na Rua da Palma ; o " Entala o bicho " alcunha de um proprietário de uma capelista no Largo na Graça, todos eles de irritabilidade fácil quando invectivados por outros.
Possivelmente a figura de Evaristo foi inspirada pelo conhecimento da existência e comportamento de certas figuras populares, em anos passados. Com o desenvolvimento das cidades, com o avanço do betão que vai cilindrando becos e ruelas, muita da tipicidade dos bairros vai desaparecendo, incluindo as suas figuras populares.
Há cinquenta anos, no bairro onde vivi cerca de trinta, lembro-me perfeitamente de certas figuras populares, que sem terem atingido, de forma alguma, a evidência das supracitadas marcaram bem o meu bairro, assim como a minha infância.
De entre várias recordo o " Mancão " ( Jaime de seu nome), pobre engraxador que para além desta actividade, exercida em tabernas e nas ruas, fazia uns biscates para ir subsistindo. Um deles, exercido com alguma discrição, era o de matar gatos recém-nascidos, deslocando-se para o efeito a casa de pessoas que se queriam ver livres de mais felinos e não sabiam como fazê-lo. " Mancão" colocava-os então num balde cheio de água.... Calmo e boa pessoa irritava-se contudo quando alguém em voz alta, o provocava gritando "miau !", imitando o soltar de voz dos gatos.
Outra figura típica era o " Sete Ceroulas" , trapeiro que dormia quer nas ruas quer dentro das escadas dos prédios, assustando as pessoas que regressavam a casa tarde ao tropeçarem nele.
Mas a figura mais típica que recordo é a de "Maria Charuta", mendiga que morava numa barraca e vivia de pequenos recados que fazia e de alguma comida que lhe davam. Um dia surgiu uma pequena epidemia que dizimou largas dezenas de galináceos nos quintais da zona. Foi a felicidade para " Maria Charuta "; todos os dias apanhava galinhas mortas nos caixotes do lixo da vizinhança, cozia-as a lenha numa lata grande colocada sobre tijolos e acompanhava as lautas refeições com excesso de vinho.
Ainda hoje a " vejo ",passeando feliz pelas ruas, dizendo a toda a gente : " Nunca comi tão bem na vida ! "
* "Evocações do Passado" de J.P.Carmo.
Publicado no jornal " Notícias da Amadora" nº l5O2 de l2 de Setembro de 2OO2.
sábado, 22 de agosto de 2009
AS MINHAS HISTÓRIAS ( V )
NA MORTE DE UM AMIGO
Armando era mecânico de automóveis. Nunca se adaptou a trabalhar em oficinas.Sempre o conheci a arranjar os automóveis,no largo, em frente de sua casa. Quando alguém indagava por um mecânico a indicação que recebia era invariavelmente: - Procure o Armando.
A sua figura era característica,alto,magro,boina na cabeça,fato de ganga azul,botas pretas; mesmo nos fins de semana era raro vê-lo vestido de outra forma.
Era o único mecânico de motores de iates que demandavam a Doca do BOM Sucesso.Se Armando não estava em pleno largo, de volta de um automóvel, era certo que se encontrava na doca, a trabalhar para os "camones", como dizia.
Ao longo dos anos os nossos contactos resumiram-se a pouco mais do que : - " Está lá, Armando ? O meu carro não pega..."
- "Vou já aí "- era sempre a resposta.
-" Armando, preciso que me leves o carro à inspecção".
-"Vou já aí".
Nunca trocámos muitas palavras para além das circunstanciais;contudo,ao longo dos anos foi-se estabelecendo uma forte empatia entre nós. No nosso íntimo sabiamos que eramos bastante amigos. Em Maio ouvi novamente:-"Vou já aí". Mas desta vez Armando acrescentou: -"Se for preciso arranjar o carro antes da inspecção,não o poderei fazer. Isto é uma porra, cada vez estou mais magro ! Levo-o só à inspecção".Passados três dias uma filha minha solicitou-lhe o mesmo.- " O Armando não pode mais trabalhar,nem sequer levar só o carro à inspecção" - disse a mulher
-" Como ele levou o carro do meu pai à inspecção,pensei que..."
-" Levou o carro à inspecção mas fê-lo por grande amizade para com o seu pai,pois na altura já não tinha forças. Compreenda,está a emagrecer imenso. Cancro no fígado".
Passados dias deu entrada num hospital;pouco depois veio para casa.- "O médico disse que não há nada a fazer ! Estava a ocupar uma cama...".
Fui visitá-lo a casa.Ainda me reconheceu: - Luis,ajuda-me a pôr o corpo noutra posição". O contacto das minhas mãos com o seu corpo onde já quase se não notava carne foi uma sensação terrível.Ali estava o meu amigo Armando a poucos dias do fim.
Numa época onde impera a crescente competição entre as pessoas, o egoismo, o "salve-se quem puder", é gratificante constactar que ainda pode existir grande amizade entre as pessoas ao ouvir a mulher dizer :-" Ele tinha dito que era o último jeito que lhe queria fazer antes de morrer ".
O meu amigo Armando já faleceu há alguns meses, mas ainda hoje me comovo quando penso que já não é possível marcar o seu número de telefone e ouvir do outro lado:"Vou já aí".
Publicado na Suiça,no nº l6 da revista " Pessoas" em Dezembro de 2OO4.
Armando era mecânico de automóveis. Nunca se adaptou a trabalhar em oficinas.Sempre o conheci a arranjar os automóveis,no largo, em frente de sua casa. Quando alguém indagava por um mecânico a indicação que recebia era invariavelmente: - Procure o Armando.
A sua figura era característica,alto,magro,boina na cabeça,fato de ganga azul,botas pretas; mesmo nos fins de semana era raro vê-lo vestido de outra forma.
Era o único mecânico de motores de iates que demandavam a Doca do BOM Sucesso.Se Armando não estava em pleno largo, de volta de um automóvel, era certo que se encontrava na doca, a trabalhar para os "camones", como dizia.
Ao longo dos anos os nossos contactos resumiram-se a pouco mais do que : - " Está lá, Armando ? O meu carro não pega..."
- "Vou já aí "- era sempre a resposta.
-" Armando, preciso que me leves o carro à inspecção".
-"Vou já aí".
Nunca trocámos muitas palavras para além das circunstanciais;contudo,ao longo dos anos foi-se estabelecendo uma forte empatia entre nós. No nosso íntimo sabiamos que eramos bastante amigos. Em Maio ouvi novamente:-"Vou já aí". Mas desta vez Armando acrescentou: -"Se for preciso arranjar o carro antes da inspecção,não o poderei fazer. Isto é uma porra, cada vez estou mais magro ! Levo-o só à inspecção".Passados três dias uma filha minha solicitou-lhe o mesmo.- " O Armando não pode mais trabalhar,nem sequer levar só o carro à inspecção" - disse a mulher
-" Como ele levou o carro do meu pai à inspecção,pensei que..."
-" Levou o carro à inspecção mas fê-lo por grande amizade para com o seu pai,pois na altura já não tinha forças. Compreenda,está a emagrecer imenso. Cancro no fígado".
Passados dias deu entrada num hospital;pouco depois veio para casa.- "O médico disse que não há nada a fazer ! Estava a ocupar uma cama...".
Fui visitá-lo a casa.Ainda me reconheceu: - Luis,ajuda-me a pôr o corpo noutra posição". O contacto das minhas mãos com o seu corpo onde já quase se não notava carne foi uma sensação terrível.Ali estava o meu amigo Armando a poucos dias do fim.
Numa época onde impera a crescente competição entre as pessoas, o egoismo, o "salve-se quem puder", é gratificante constactar que ainda pode existir grande amizade entre as pessoas ao ouvir a mulher dizer :-" Ele tinha dito que era o último jeito que lhe queria fazer antes de morrer ".
O meu amigo Armando já faleceu há alguns meses, mas ainda hoje me comovo quando penso que já não é possível marcar o seu número de telefone e ouvir do outro lado:"Vou já aí".
Publicado na Suiça,no nº l6 da revista " Pessoas" em Dezembro de 2OO4.
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
AS MINHAS HISTÓRIAS (!V)
O ENGENHEIRO
No Largo o dia amanheceu,como sempre,calmo.Às sete da manhã já D. Irene e D. Ana iam a caminho do padeiro.O Senhor Jaime passeava o seu fiel perdigueiro,companheiro de tantas caçadas.Dos prédios saiam os moradores,quer para o trabalho quer para as primeiras compras do dia. Abriam-se e fechavam-se janelas e falas começavam a cruzar o ar.
Aos poucos a azáfama cresceria e os primeiros automóveis começariam a entrar e a sair do Largo através do Arco,considerado monumento histórico.A mercearia, a capelista assim como a cervejaria,abririam as portas mais tarde.Eram os três estabelecimentos comerciais existentes no Largo e razão de grande parte do corrupio de gente que começaria a surgir e se manteria até tarde.
Naquele dia,em plena Primavera,pelas quatro da tarde,em que pouca gente se encontrava na rua,entrou no Largo, através do Arco,um grande automóvel negro.Conduzido muito devagar,imobilizou-se bem a meio.Passados cerca de quinze minutos o chofer, impecavelmente fardado, saiu e abriu a porta de trás.Um homem de cerca de sessenta anos,meio calvo,engravatado,sem casaco, de camisa muito branca,saiu do carro e colocando-se a meio do Largo começou a mirar demoradamente os prédios circundantes, ao mesmo tempo que ia fazendo anotações numas folhas de um dossiê.
A cena não passou desapercebida a alguns moradores do Largo,embora,por vezes aparecessem funcionários da Câmara em atitudes um tanto ou quanto semelhantes.A cena foi-se repetindo com intervalos de cerca de três dias e o enorme automóvel negro, imobilizado bem no centro do Largo ia, aos poucos,intrigando os moradores.
- Quem será o indivíduo? -perguntavam.
- Isto é homem da Câmara -respondiam outros - Só olha para os prédios e toma notas.
- Quanto a mim é um vigarista - disse João.
João era uma figura bastante típica das redondezas.Reformado de uma metalomecânica, falava pelos cotovelos.Em qualquer conversa entre amigos introduzia tantos assuntos sem qualquer ligação entre si que a páginas tantas havia quem se irritasse.À noite frequentava a zona do Cais do Sodré onde travava conhecimento,por vezes,com pessoas cultas, sem rumo na vida,que eram a sua fonte de pretensos conhecimentos elevados.Muito arguto apanhava nomes e idéias citados por outros que, contudo, não sabia desenvolver.Lia toda a espécie de jornais e revistas que apanhava à mão,não lhe interessando se já eram antigos.Passados uns dois meses,quando o calor começou a apertar, os dois homens dirigiram-se pela primeira vez à cervejaria. Todos os olhares dos presentes incidiram sobre eles.
- Boas tardes.Arranja-me um gin tónico e uma cerveja aqui para o meu chofer,se faz o favor ?- pediu o homem da camisa alva.O proprietário desfez-se em sorrisos e serviu-os solícito, ansiando por meter conversa,saber quem eram e o que faziam.Os seus intentos sairam contudo frustrados pois os dois homens afastaram-se um pouco do balcão e mantiveram uma conversa reservada da qual o dono da cervejaria,o Senhor Antunes,só percebeu que falavam em prédios e em muitos milhares de contos.
Dias mais tarde os dois homens dirigiram-se à cervejaria:
- Ainda se pode almoçar?-Perante a anuência de Antunes o homem voltando-se para o chofer disse:
- José, vem buscar-me daqui a umas duas horas.
-Fique descansado senhor engenheiro.
Antunes rejubilou;o homem era engenheiro,tinha um carrão e chofer.Foi a partir daí que as visitas ao Largo se tornaram diárias.O engenheiro almoçava e à tarde o chofer vinha buscá-lo.
-Almoço sempre tarde. Tenho uma vida em que não paro.Compro prédios, construo, vendo-os...Há aqui alguns para venda?- perguntava e Antunes respondia o que sabia e o que não sabia.Um homem de negócios daquele gabarito,tão bom cliente,que só falava em milhares de contos enchia-o de vaidade.- Vou comprar aqui próximo um andar para instalar um escritório. Trarei depois algum pessoal do outro escritório - dizia o engenheiro. - Mas é perto de Penedono e em Bragança que estou a construir em grande. É aí que de momento estou a investir forte.
A convivência quase diária entre o engenheiro e Antunes ia estabelecendo uma crescente simpatia deste por aquele.Tentava servi-lo com o melhor peixe e carne que encontrava; com várias variedades de queijo e de vinhos.
-O Senhor Engenheiro é engenheiro...Tem alguma especialidade,digamos?
- Civil. Sou engenheiro civil,tirei o curso no Instituto Superior Técnico.Daí estar ligado à construção. Lembre-se do meu colega,o grande Duarte Pacheco- e riu-se.
Os almoços eram caros. Eram pagos pouco antes do chofêr chegar, sempre com notas grandes.Um dia pareceu atrapalhado.- Oh, Diabo ! Querem lá ver que perdi a carteira ?!
-Por amor de Deus ! Não se preocupe- disse Antunes.
José chegou pouco depois com a carteira na mão: -Ficou no carro- disse.A partir daí,e já tinham decorrido cerca de quatro meses desde o primeiro almoço, o engenheiro propôs a Antunes:
-Senhor Antunes,para eu não andar preocupado com a carteira, com dinheiro, o senhor importava-se que eu passasse a pagar ao mês ?Até posso pagar adiantado e depois acerta-se...- A idéia não desagradou a Antunes; perder um cliente daqueles é que não.
-Tu nem sabes o nome do homem e vais nisso? -disse-lhe a esposa.
João que ouvira a conversa não se conteve:- Senhor Antunes,então você não vê que o homem tem pinta de vígaro ?
- Tem o quê ?Devias respeitar os cabelos brancos da pessoa.Não vês que é um homem de grandes negócios?Anda sempre com um dossiê debaixo do braço...
-Você já viu o que contém o dossiê?-contrapôs João - Naturalmente contém fotografias de gajas nuas - acrescentou rindo a bom rir.
Um dia Antunes perguntou:- Senhor Engenheiro, qual é a sua graça? Desculpe fazer-lhe esta pergunta.mas às vezes até podem vir à sua procura...
-Souto Queiroz,um seu criado...
-Tem pinta de engenheiro e nome de engenheiro -disse Antunes à esposa - anda sempre a tomar notas...Lá no Norte tem cada empreendimento...
Nos dois meses que se seguiram os almoços foram pagos impreterivelmente no último dia de cada mês, sempre a dinheiro.
-É cumpridor - disse Antunes- sempre notinhas...
-Paga a dinheiro porque está proibido de passar cheques - afirmou João.
-Lá está você a atirar abaixo as pessoas.Que raio de feitio !
No fim do mês seguinte ninguém apareceu para pagar os almoços e durante dez dias tanto José como o engenheiro não deram sinal de si.
-Enfiaste a ursada !-disse João- Eu sempre desconfiei do tipo. Mas qual engenheiro,qual carapuça !
Antunes limitava-se a sorrir com um sorriso amarelo.Tinha confiado em demasia.Numa manhã José apareceu:- Peço imensa desculpa,Senhor Antunes por esta ausência,mas tivemos de ir para o Norte sem esperar. E, como sabe,não se podem perder milhares...Em nome do meu patrão,mil desculpas.
Antunes invectivou a mulher e todos aqueles que tinham posto em causa a honestidade do engenheiro.Este após ter voltado anunciou ter montado escritório em Algés de Cima mas continuaria fiel a Antunes.Requintou os seus gostos,os almoços eram cada vez mais caros e numa altura em que por uma série de curtas ausências e de pequenos desencontros já devia três meses de refeições telefonou a Antunes dizendo que se encontrava no Brasil;inesperadamente teve de ausentar-se.Grandes empreendimentos no Rio Grande do Sul precisavam da sua presença.Pedia desculpa e solicitava que José passasse a almoçar em vez dele.Quando regressasse liquidaria todas as despesas.
José mostrou-se mais exigente do que o patrão quer na qualidade da comida quer na dos vinhos.Foram dois meses em que parecia que o verdadeiro patrão era José.
-O seu patrão vai demorar-se muito? Está a investir,não? -perguntava Antunes.
-No Rio Grande do Sul e também nos arredores de São Paulo.Coisa de muitos milhões.Levou daqui dois economistas e um advogado.Muitos milhões,muitos milhões- explicou José.
De milhões não foi o calote do Engenheiro a Antunes, mas a dívida foi suficientemente grande para este amaldiçoar o dia em que,numa tarde de muito sol,um grande carro preto entrou no Largo,através do Arco histórico,parou a meio e dele saiu um homem de camisa muito branca,com um dossiê debaixo do braço...
Publicado na revista Pessoas Nº17, Março 2005
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
DIVULGANDO POESIA (V)
TOMAR PARTIDO
Tomar partido é irmos à raíz
do campo aceso da fraternidade
pois a razão dos pobres não se diz
mas conquista-se a golpes de vontade.
Cantaremos a força dum país
que pode ser a Pátria da verdade
e a palavra mais alta que se diz
é a linda palavra liberdade.
Tomar partido é sermos como somos
é tirarmos de tudo quanto fomos
um exemplo um pássaro uma flor
tomar partido é ter inteligência
é sabermos em alma e consciência
que o Partido que temos é melhor.
José Carlos Ary dos Santos
Tomar partido é irmos à raíz
do campo aceso da fraternidade
pois a razão dos pobres não se diz
mas conquista-se a golpes de vontade.
Cantaremos a força dum país
que pode ser a Pátria da verdade
e a palavra mais alta que se diz
é a linda palavra liberdade.
Tomar partido é sermos como somos
é tirarmos de tudo quanto fomos
um exemplo um pássaro uma flor
tomar partido é ter inteligência
é sabermos em alma e consciência
que o Partido que temos é melhor.
José Carlos Ary dos Santos
sábado, 11 de abril de 2009
AS MINHAS HISTÓRIAS ( III )
RODOLFO
O dia amanheceu sem núvens e com uma temperatura que deixava adivinhar excelentes perspectivas para as horas que se seguiriam.
Rodolfo abriu o olho esquerdo, o quarto estava mergulhado numa leve penumbra que o deixou distinguir perfeitamente quase toda a mobília. Seguidamente abriu o olho direito; Rita estava,como sempre, deitada a seu lado.
A janela do quarto encontrava-se entreaberta,o que lhe permitiu aperceber-se de que, com um pouco de sorte, uma ida até à praia seria bastante provável.
Não se esticou, encolheu-se e chegou-se ainda mais à companheira que há vários anos partilhava consigo os bons e os maus momentos da vida.Era bom sentir o calor daquele corpo ali a seu lado. Rita submetia-se a tratamentos de beleza duas vezes por semana e o seu corpo perfumado exalava sempre um suave e agradável odor.
A voz de D. Judite, a governanta soou um pouco mais tarde, como habitualmente : - O pequeno- almoço está no prato.Morninho...
Rodolfo fingiu não ouvir. Se se sentia tão bem encostado a Rita, para quê levantar-se ? Sabia que a governanta o deixaria ficar mais uns momentos na cama.
Da segunda vez a voz de D. Judite soou mais determinada : - Vá lá,nada de mandrice !Toca a levantar! Rita, não finja que não ouve!
Rodolfo foi o primeiro a levantar-se;espreguiçou-se e a custo dirigiu-se primeiro para o quintal da casa.Já totalmente desperto deparou com o gato da vizinha em cima do muro que separava os quintais.
Foi então que desatou a ladrar tanto que acordou a vizinhança .
O dia amanheceu sem núvens e com uma temperatura que deixava adivinhar excelentes perspectivas para as horas que se seguiriam.
Rodolfo abriu o olho esquerdo, o quarto estava mergulhado numa leve penumbra que o deixou distinguir perfeitamente quase toda a mobília. Seguidamente abriu o olho direito; Rita estava,como sempre, deitada a seu lado.
A janela do quarto encontrava-se entreaberta,o que lhe permitiu aperceber-se de que, com um pouco de sorte, uma ida até à praia seria bastante provável.
Não se esticou, encolheu-se e chegou-se ainda mais à companheira que há vários anos partilhava consigo os bons e os maus momentos da vida.Era bom sentir o calor daquele corpo ali a seu lado. Rita submetia-se a tratamentos de beleza duas vezes por semana e o seu corpo perfumado exalava sempre um suave e agradável odor.
A voz de D. Judite, a governanta soou um pouco mais tarde, como habitualmente : - O pequeno- almoço está no prato.Morninho...
Rodolfo fingiu não ouvir. Se se sentia tão bem encostado a Rita, para quê levantar-se ? Sabia que a governanta o deixaria ficar mais uns momentos na cama.
Da segunda vez a voz de D. Judite soou mais determinada : - Vá lá,nada de mandrice !Toca a levantar! Rita, não finja que não ouve!
Rodolfo foi o primeiro a levantar-se;espreguiçou-se e a custo dirigiu-se primeiro para o quintal da casa.Já totalmente desperto deparou com o gato da vizinha em cima do muro que separava os quintais.
Foi então que desatou a ladrar tanto que acordou a vizinhança .
quinta-feira, 9 de abril de 2009
Divulgando poesia ( IV )
ILUSÕES DA VIDA
Quem passou pela vida em branca núvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu:
Foi espectro de homem,não foi homem,
Só passou pela vida,não viveu.
Francisco Otaviano
Quem passou pela vida em branca núvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu:
Foi espectro de homem,não foi homem,
Só passou pela vida,não viveu.
Francisco Otaviano
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