RODOLFO
O dia amanheceu sem núvens e com uma temperatura que deixava adivinhar excelentes perspectivas para as horas que se seguiriam.
Rodolfo abriu o olho esquerdo, o quarto estava mergulhado numa leve penumbra que o deixou distinguir perfeitamente quase toda a mobília. Seguidamente abriu o olho direito; Rita estava,como sempre, deitada a seu lado.
A janela do quarto encontrava-se entreaberta,o que lhe permitiu aperceber-se de que, com um pouco de sorte, uma ida até à praia seria bastante provável.
Não se esticou, encolheu-se e chegou-se ainda mais à companheira que há vários anos partilhava consigo os bons e os maus momentos da vida.Era bom sentir o calor daquele corpo ali a seu lado. Rita submetia-se a tratamentos de beleza duas vezes por semana e o seu corpo perfumado exalava sempre um suave e agradável odor.
A voz de D. Judite, a governanta soou um pouco mais tarde, como habitualmente : - O pequeno- almoço está no prato.Morninho...
Rodolfo fingiu não ouvir. Se se sentia tão bem encostado a Rita, para quê levantar-se ? Sabia que a governanta o deixaria ficar mais uns momentos na cama.
Da segunda vez a voz de D. Judite soou mais determinada : - Vá lá,nada de mandrice !Toca a levantar! Rita, não finja que não ouve!
Rodolfo foi o primeiro a levantar-se;espreguiçou-se e a custo dirigiu-se primeiro para o quintal da casa.Já totalmente desperto deparou com o gato da vizinha em cima do muro que separava os quintais.
Foi então que desatou a ladrar tanto que acordou a vizinhança .
sábado, 11 de abril de 2009
quinta-feira, 9 de abril de 2009
Divulgando poesia ( IV )
ILUSÕES DA VIDA
Quem passou pela vida em branca núvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu:
Foi espectro de homem,não foi homem,
Só passou pela vida,não viveu.
Francisco Otaviano
Quem passou pela vida em branca núvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu:
Foi espectro de homem,não foi homem,
Só passou pela vida,não viveu.
Francisco Otaviano
Dando a conhecer ( I )
She lifts a thin gilt-edged volume from the patio table as if elevating the Host before the altar.
Its gold leaf and lettering catch the afternoon sun.It says Poem of Summer. Her face suddenly has a different look, the look of a visionary,an exalted religieuse.At the same instant a bird sings clearly and purely in the garden and the old lady seems to be almost young for a moment.
DOCTOR (reading the tittle):
- Poem of Summer ?
from: "Suddenly Last Summer" play by Tennessee Williams.
O livro que mais vezes li até hoje.
Its gold leaf and lettering catch the afternoon sun.It says Poem of Summer. Her face suddenly has a different look, the look of a visionary,an exalted religieuse.At the same instant a bird sings clearly and purely in the garden and the old lady seems to be almost young for a moment.
DOCTOR (reading the tittle):
- Poem of Summer ?
from: "Suddenly Last Summer" play by Tennessee Williams.
O livro que mais vezes li até hoje.
quinta-feira, 2 de abril de 2009
Divulgando poesia ( III )
GUEVARA
Não choro, que não quero
Manchar de pranto
Um sudário de força combativa.
Reteso a dor, e canto
A tua morte viva.
A tua morte morta
Pelo próprio terror em que ficaram
À sua frente
Aqueles que te mataram
Sem poder matar o combatente.
O combatente eterno que ficaste,
Ressuscitado
Na voluntária crucificação.
Herói a conquistar o inconquistado,
Já sem armas na mão.
Quem te abateu,perdeu a guerra santa
Da liberdade.
Fez brilhar na manhã do mundo inteiro
Um sol de redentora claridade:
O teu rosto de Cristo guerrilheiro.
Miguel Torga
11 de Outubro de l967 in DIÁRIO, X volume
- Também tu, Torga ?!
Divulgando Poesia (II )
CRAVOS
Com um cravo na boca
e uma rosa na mão,
- Chiça que me piquei !!
José Fanha
Com um cravo na boca
e uma rosa na mão,
- Chiça que me piquei !!
José Fanha
quarta-feira, 1 de abril de 2009
AS MINHAS HISTÓRIAS ( II )
O PIANISTA E O CÃO
" O Pianista " é um filme do realizador polaco Roman Polanski que apareceu nos cinemas de Lisboa há muito tempo. Como não sou grande cinéfilo não procurei vê-lo na altura,embora várias pessoas me tivessem dito tratar-se de um excelente filme.
Surgiu-me há dias a possibilidade de o adquirir na versão DVD e foi com enorme expectativa que o vi.Trata-se de um filme arrebatador que relata a terrível perseguição que sofreram os judeus polacos durante a Segunda Guerra Mundial na capital do país,Varsóvia,e em particular o pianista Wladyslaw Szpilman, que viveu na Polónia e que por ser judeu sofreu os horrores das perseguições nazis. Na cidade os judeus eram acantonados em zonas chamadas guetos a fim de serem controlados mais facilmente - embora usassem a estrela de David nas suas roupas - e deportados para os campos de concentração, dentro de vagões a abarrotar de pessoas,onde eram mortos nas câmaras de gás quando não morriam de fome, frio ou doenças.A perseguição aos judeus ao longo da História não foi só levada a cabo pelos nazis; em Lisboa, por exemplo, teve lugar uma grande matança no dia dezanove de Abril de mil quinhentos e seis, em que,segundo relatos da época terão sido mortos - muitos queimados vivos - para cima de três mil judeus.
Szpilman consegue fugir do gueto onde se encontrava, após ter assistido à deportação de toda a sua família para o campo de concentração de Treblinka,iniciando então a luta pela sobrevivência em fuga permanente pela cidade,sem nada para comer,por vezes adoecendo e sofrendo as agruras do frio intenso. Consegue não ser descoberto escondendo-se também com a ajuda de amigos que lhe dão guarida breve em suas casas,embora correndo o risco de serem fuziladas por abrigarem um judeu, ou em apartamentos vagos, em prédios à partida insuspeitos de albergarem judeus foragidos. Szpilman entra nos prédios a medo, subindo as escadas pé-ante-pé evitando fazer qualquer ruído que o possa levar a ser descoberto por outros moradores e denunciado aos alemães,sempre com a esperança de que um exército aliado, o russo, entre na capital e liberte os habitantes da ocupação nazi, o que vem a acontecer.
Dido não toca piano. Dido é um cão rafeiro que há anos foi abandonado em Carnaxide,nos arredores de Lisboa. Começou a aparecer numa praceta e cedo algumas pessoas se condoeram da sua sorte, dando-lhe um nome e distribuindo tarefas entre si para sua protecção. Há quem zele pela vacinação anual, pela desparasitação regular, pelo tratamento anti-pulgas periódico,por tudo o que se afigure necessário à sua protecção e bem-estar. Vivendo na rua tem passado anos ao frio e à chuva,abrigando-se durante a noite por todo o lado e até em casotas de cartão enquanto duram.
Dido não é um cão judeu mas também tem alguns inimigos,pessoas que o invejam. Já tentaram deportá-lo não para um campo de concentração mas para o canil municipal a fim de ser abatido. Até hoje em vão. Já recebeu ameaças de morte através de uso de arma branca. Já passou por momento delicado de saúde resolvido com operação quotizada por muitos.
À semelhança de Szpilman, o pianista judeu, Dido dorme agora clandestinamente num
apartamento,para o qual se dirige, ao cair da noite, pata- ante-pata,sem fazer ruído,ao subir as escadas, não vá ser deacoberto por algum morador do condomínio que o denuncie. De manhã cedo volta sorrateiramente para o seu território,a praceta, onde dá largas à sua alegria de viver.
Luis Florêncio Oliveira
- Esta história foi publicada na revista "Pessoas" que se publicava em Genève,Suiça, acompanhada de uma bonita foto do Dido e foi tema de um teste de português de alunos da Escola Secundária Marquês de Pombal, em Lisboa.
-Actualmente Dido vive com donos maravilhosos num grande apartamento perto da praceta onde sempre viveu e visita frequentemente os seus amigos de sempre.
AS MINHAS HISTÓRIAS ( I )
LEITE COM TORRADINHAS
Aristides Inocêncio teve uma infância feliz: seu pai chegou a ser presidente da Câmara Municipal de uma vila do interior,durante vários anos,no tempo em que não era permitida a existência de partidos políticos,constando que a vida abastada que a sua família levava era devida aos anos em que seu pai dispusera da Câmara a seu belo prazer,sem oposição fiscalizadora.
Estando o presidente muito ligado às autoridades representativas,Igreja e forças de ordem,ninguém ousava levantar a voz sobre os boatos que por vezes circulavam quanto à sua honestidade à frente da edilidade,tanto mais que,dizia-se,um seu cunhado,residente em Lisboa,era figura de destaque da polícia política do regime.
Na vila,Aristides era um pequeno príncipe,mimado por muita gente.
Quando terminou a quarta classe,ao contrário do que seria de esperar,o pai encaminhou-o para a escola industrial e, uma vez esta terminada, enviou-o para França onde frequentou e concluiu um curso médio no ramo da engenharia.Por influência materna Aristides aperfeiçoou-se na língua francesa e após estágios em fábricas começou a trabalhar numa enpresa nos arredores de Paris.
Tendo-se livrado de prestar serviço militar,foi permanecendo em França e só após muita insistência da família decidiu regressar a Portugal. Contudo,os anos passados
fora tinham-lhe alterado a sua maneira de ser e aos pais surgiu-lhes um Aristides com hábitos diferentes e mentalidade liberal para a época,casado com uma francesa e disposto a seguir a sua própria vida.
Rumou a Lisboa,instalou-se com Marie,sua esposa,perto da Torre de Belém e procurou emprego.Não teve qualquer dificuldade de maior dada a sólida experiência adquirida no estrangeiro e o domínio da língua francesa,começando a trabalhar numa empresa situada na Azambuja. Habituada a trabalhar desde nova, Marie arranjou igualmente emprego.
Naquele tempo a presença de uma estrangeira numa localidade era motivo de grande curiosidade.Saber quem era,quem não era, ocupava largo tempo no dia a dia das pessoas até se descobrir a sua origem e actividade.Perto da casa de Aristides ficava a Avenida da Torre de Belém e nesta, junto à linha dos eléctricos, um café paredes meias com um cinema,hoje já desaparecido. Todas as noites a esplanada do café enchia-se de pessoas que,após o jantar,procuravam a cavaqueira até cerca da meia-noite e outras dezenas enchiam o café antes de se dirigirem ao cinema.
Se na esplanada havia imensa gente despreocupada que ria e comentava factos das suas vidas,assim como outros,havia igualmente uns tantos rapazes cujo único entretenimento era o de apreciar as raparigas e algumas senhoras que se dirigiam ao cinema.
Duas ou três vezes na semana Marie surgia,vinda da rua onde morava, de cafereira na mão,entrava no café e saía,dirigindo-se para as traseiras do cinema,para voltar cerca de meia-hora depos.
Não tardou que os "abutres" se apercebessem do estranho hábito de Marie e uma noite a seguissem de forma discreta.Viram-na entrar para um automóvel estacionado em local escuro e lançar-se nos braços de um homem que a aguardava. A partir daquele dia,logo que Marie surgia à esquina da rua,os rapazes apressavam-se em direcção às traseiras do cinema.
No Verão Aristides costumava passar pela Doca do Bom Sucesso antes de se dirigir a casa,vindo da Azambuja.Gostava de dar uns dedos de conversa a um grupo de homens que se reuniam habitualmente junto de uma das muralhas.
Num desses dias ficou a saber-se que uma cor de um azulado ténue que Aristides exibia nos lábios era devida a uma insuficiência de alguma gravidade numa válvula do seu coração.
- Os médicos aconselharam-me a não jantar como costumava fazer - contou- já há vários meses que a minha mulher, coitada, faz o sacrifício de ir à noite ao café buscar um leite muito bom que eles lá têm. A chatice é que tem de esperar largos minutos até que a atendam, pois é à hora do cinema começar. Quando chega a casa prepara-me leite com torradinhas e é esse o meu jantar. Já me prontifiquei a ir buscar o leite mas ela não quere que eu saia à noite, que me canse ou constipe.
Certa noite, ao chegar a casa com o leite e após ter demorado mais do que o habitual, Marie verificou que Aristides já preparara algum leite com a intenção de jantar. A televisão encontrava-se ligada; no tabuleiro colocado sobre uma pequena mesa em frente do aparelho só faltava o açúcar. Na cozinha,caído no chão,já sem vida,encontrava-se o corpo do marido.
Aristides nunca mais tomaria o seu leite com torradinhas.
Luis Florêncio Oliveira
Verão de 2OO4
P.S.-Esta história foi publicada na revista Pessoas que se publicava em Genebra,Suiça,no nº l5 de Setembro de 2OO4.
Aristides Inocêncio teve uma infância feliz: seu pai chegou a ser presidente da Câmara Municipal de uma vila do interior,durante vários anos,no tempo em que não era permitida a existência de partidos políticos,constando que a vida abastada que a sua família levava era devida aos anos em que seu pai dispusera da Câmara a seu belo prazer,sem oposição fiscalizadora.
Estando o presidente muito ligado às autoridades representativas,Igreja e forças de ordem,ninguém ousava levantar a voz sobre os boatos que por vezes circulavam quanto à sua honestidade à frente da edilidade,tanto mais que,dizia-se,um seu cunhado,residente em Lisboa,era figura de destaque da polícia política do regime.
Na vila,Aristides era um pequeno príncipe,mimado por muita gente.
Quando terminou a quarta classe,ao contrário do que seria de esperar,o pai encaminhou-o para a escola industrial e, uma vez esta terminada, enviou-o para França onde frequentou e concluiu um curso médio no ramo da engenharia.Por influência materna Aristides aperfeiçoou-se na língua francesa e após estágios em fábricas começou a trabalhar numa enpresa nos arredores de Paris.
Tendo-se livrado de prestar serviço militar,foi permanecendo em França e só após muita insistência da família decidiu regressar a Portugal. Contudo,os anos passados
fora tinham-lhe alterado a sua maneira de ser e aos pais surgiu-lhes um Aristides com hábitos diferentes e mentalidade liberal para a época,casado com uma francesa e disposto a seguir a sua própria vida.
Rumou a Lisboa,instalou-se com Marie,sua esposa,perto da Torre de Belém e procurou emprego.Não teve qualquer dificuldade de maior dada a sólida experiência adquirida no estrangeiro e o domínio da língua francesa,começando a trabalhar numa empresa situada na Azambuja. Habituada a trabalhar desde nova, Marie arranjou igualmente emprego.
Naquele tempo a presença de uma estrangeira numa localidade era motivo de grande curiosidade.Saber quem era,quem não era, ocupava largo tempo no dia a dia das pessoas até se descobrir a sua origem e actividade.Perto da casa de Aristides ficava a Avenida da Torre de Belém e nesta, junto à linha dos eléctricos, um café paredes meias com um cinema,hoje já desaparecido. Todas as noites a esplanada do café enchia-se de pessoas que,após o jantar,procuravam a cavaqueira até cerca da meia-noite e outras dezenas enchiam o café antes de se dirigirem ao cinema.
Se na esplanada havia imensa gente despreocupada que ria e comentava factos das suas vidas,assim como outros,havia igualmente uns tantos rapazes cujo único entretenimento era o de apreciar as raparigas e algumas senhoras que se dirigiam ao cinema.
Duas ou três vezes na semana Marie surgia,vinda da rua onde morava, de cafereira na mão,entrava no café e saía,dirigindo-se para as traseiras do cinema,para voltar cerca de meia-hora depos.
Não tardou que os "abutres" se apercebessem do estranho hábito de Marie e uma noite a seguissem de forma discreta.Viram-na entrar para um automóvel estacionado em local escuro e lançar-se nos braços de um homem que a aguardava. A partir daquele dia,logo que Marie surgia à esquina da rua,os rapazes apressavam-se em direcção às traseiras do cinema.
No Verão Aristides costumava passar pela Doca do Bom Sucesso antes de se dirigir a casa,vindo da Azambuja.Gostava de dar uns dedos de conversa a um grupo de homens que se reuniam habitualmente junto de uma das muralhas.
Num desses dias ficou a saber-se que uma cor de um azulado ténue que Aristides exibia nos lábios era devida a uma insuficiência de alguma gravidade numa válvula do seu coração.
- Os médicos aconselharam-me a não jantar como costumava fazer - contou- já há vários meses que a minha mulher, coitada, faz o sacrifício de ir à noite ao café buscar um leite muito bom que eles lá têm. A chatice é que tem de esperar largos minutos até que a atendam, pois é à hora do cinema começar. Quando chega a casa prepara-me leite com torradinhas e é esse o meu jantar. Já me prontifiquei a ir buscar o leite mas ela não quere que eu saia à noite, que me canse ou constipe.
Certa noite, ao chegar a casa com o leite e após ter demorado mais do que o habitual, Marie verificou que Aristides já preparara algum leite com a intenção de jantar. A televisão encontrava-se ligada; no tabuleiro colocado sobre uma pequena mesa em frente do aparelho só faltava o açúcar. Na cozinha,caído no chão,já sem vida,encontrava-se o corpo do marido.
Aristides nunca mais tomaria o seu leite com torradinhas.
Luis Florêncio Oliveira
Verão de 2OO4
P.S.-Esta história foi publicada na revista Pessoas que se publicava em Genebra,Suiça,no nº l5 de Setembro de 2OO4.
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