segunda-feira, 24 de agosto de 2009

AS MINHAS HISTÓRIAS (Vl )

FIGURAS POPULARES DAS RUAS

Toda a gente conhece a figura engraçadíssima de Evaristo,proprietário de uma drogaria,na capital,que no filme " O Pátio das Cantigas " é desempenhada por António Silva e frequentemente desafiada por Narciso, figura desempenhada por Vasco Santana,que o irrita sobremaneira com a popularizada frase " Ó Evaristo, tens cá disto '".
Ao ouvir tal frase Evaristo perdia as estribeiras e lançava sobre Narciso toda a espécie de objectos que tinha à mão,vendo-se este forçado a fugir.
Uma das características pitorescas da vida em Lisboa de há muitas dezenas de anos foi a dos tipos populares, espécie de " raridades " humanas que provocavam o gáudio,sobretudo dos habitantes mais jovens dos bairros onde viviam, pelas suas manias e taras.
Muitos, de génio irascível corriam atrás da rapaziada lançando-lhes pedras e paus quando eram chamados pelas suas alcunhas. Num livro * publicado em Lisboa,em l943, de entre muitas figuras típicas refere-se o " Cai pela pia abaixo ", alcunha pela qual era conhecido o dono de um pequeno estabelecimento situado na Rua da Palma ; o " Entala o bicho " alcunha de um proprietário de uma capelista no Largo na Graça, todos eles de irritabilidade fácil quando invectivados por outros.
Possivelmente a figura de Evaristo foi inspirada pelo conhecimento da existência e comportamento de certas figuras populares, em anos passados. Com o desenvolvimento das cidades, com o avanço do betão que vai cilindrando becos e ruelas, muita da tipicidade dos bairros vai desaparecendo, incluindo as suas figuras populares.
Há cinquenta anos, no bairro onde vivi cerca de trinta, lembro-me perfeitamente de certas figuras populares, que sem terem atingido, de forma alguma, a evidência das supracitadas marcaram bem o meu bairro, assim como a minha infância.
De entre várias recordo o " Mancão " ( Jaime de seu nome), pobre engraxador que para além desta actividade, exercida em tabernas e nas ruas, fazia uns biscates para ir subsistindo. Um deles, exercido com alguma discrição, era o de matar gatos recém-nascidos, deslocando-se para o efeito a casa de pessoas que se queriam ver livres de mais felinos e não sabiam como fazê-lo. " Mancão" colocava-os então num balde cheio de água.... Calmo e boa pessoa irritava-se contudo quando alguém em voz alta, o provocava gritando "miau !", imitando o soltar de voz dos gatos.
Outra figura típica era o " Sete Ceroulas" , trapeiro que dormia quer nas ruas quer dentro das escadas dos prédios, assustando as pessoas que regressavam a casa tarde ao tropeçarem nele.
Mas a figura mais típica que recordo é a de "Maria Charuta", mendiga que morava numa barraca e vivia de pequenos recados que fazia e de alguma comida que lhe davam. Um dia surgiu uma pequena epidemia que dizimou largas dezenas de galináceos nos quintais da zona. Foi a felicidade para " Maria Charuta "; todos os dias apanhava galinhas mortas nos caixotes do lixo da vizinhança, cozia-as a lenha numa lata grande colocada sobre tijolos e acompanhava as lautas refeições com excesso de vinho.
Ainda hoje a " vejo ",passeando feliz pelas ruas, dizendo a toda a gente : " Nunca comi tão bem na vida ! "

* "Evocações do Passado" de J.P.Carmo.

Publicado no jornal " Notícias da Amadora" nº l5O2 de l2 de Setembro de 2OO2.

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